Por Jhay Lopes*
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a proteção conferida pela Lei Maria da Penha deve ser estendida a casais homoafetivos formados por homens, mulheres, travestis e transexuais. A decisão, concluída no plenário virtual na sexta-feira (21/02), reconhece a omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e amplia o alcance da legislação no combate à violência doméstica.
Ampliação dos Direitos e Proteção Contra a Violência Doméstica
Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha estabelece medidas para proteger mulheres vítimas de violência doméstica, incluindo a criação de juizados especializados, a concessão de medidas protetivas de urgência e o suporte às vítimas. No entanto, a Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH) entrou com uma ação argumentando que há deficiência na proteção de outras relações afetivas e familiares, especialmente em casos envolvendo casais homoafetivos masculinos e mulheres trans.
A decisão do STF seguiu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que ressaltou a necessidade de proteção isonômica a todos os indivíduos que se encontrem em situação de vulnerabilidade dentro de uma relação. Segundo Moraes, a lei deve se aplicar a casais homoafetivos masculinos quando houver fatores que coloquem um dos parceiros em situação de subalternidade.
“Considerando que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger a mulher contra violência doméstica, a partir da compreensão de subordinação cultural da mulher na sociedade, é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”, pontuou Moraes.
Reconhecimento da Identidade de Gênero e Igualdade
O ministro também destacou que a identidade de gênero é um dos aspectos fundamentais da personalidade e está protegida por princípios como a dignidade da pessoa humana e o direito ao tratamento isonômico. Dessa forma, garantir a proteção da Lei Maria da Penha a mulheres transexuais e travestis reforça o compromisso do Estado com a igualdade e os direitos humanos.
“Essa proteção aos casais homoafetivos do sexo masculino, bem como às mulheres transexuais ou travestis, ganha especial relevo, tendo em vista que, não obstante os avanços legais e institucionais, verifica-se, ainda, a subsistência de um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher – e as pessoas que se identificam socialmente com o gênero feminino ou de alguma forma ocupam esse papel social – e naturalizar preconceitos de gênero existentes até os dias atuais, perpetuando uma crença estruturalmente machista, de herança histórica”, afirmou Moraes.
A decisão do Supremo representa um avanço significativo na luta pelos direitos da população LGBTQIAP+ e no combate à violência doméstica em todas as suas formas. Ao reconhecer que a proteção prevista na Lei Maria da Penha não deve se restringir apenas às mulheres cisgênero, a Corte amplia o alcance da legislação e reforça a necessidade de políticas públicas mais inclusivas e eficazes.
Esse posicionamento marca um ponto crucial na promoção da equidade e tem reflexos diretos na educação. O reconhecimento da diversidade de famílias e relações contribui para a construção de uma cultura de respeito e igualdade, livre de violência e discriminação. No ambiente escolar, essa decisão fortalece a importância de trabalhar a igualdade de gênero e os direitos humanos como pilares da formação cidadã.
A escola, como espaço fundamental de aprendizado e socialização, deve desempenhar um papel ativo na conscientização sobre o respeito às diferenças e a igualdade de direitos. É essencial que educadores abordem temas como violência de gênero, diversidade sexual e mecanismos de proteção e denúncia, preparando os alunos para serem agentes de transformação social.
Além disso, a decisão do STF pode ser integrada ao currículo escolar como um tema transversal, incentivando debates e reflexões sobre questões estruturais da sociedade. Discutir a violência doméstica e a diversidade de gênero de forma clara e didática contribui para a formação de indivíduos mais conscientes, críticos e engajados na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Agora, caberá aos tribunais e órgãos competentes aplicar essa interpretação da lei, assegurando que vítimas de violência doméstica em casais homoafetivos masculinos e mulheres trans tenham acesso às mesmas medidas de proteção já garantidas a mulheres cisgênero. Paralelamente, o Congresso Nacional pode ser pressionado a formalizar essa ampliação por meio de legislação específica, consolidando esse avanço no ordenamento jurídico brasileiro.
Com essa decisão, o STF reafirma seu compromisso com a garantia dos direitos fundamentais e o fortalecimento da equidade de gênero e identidade, promovendo avanços essenciais para a consolidação de uma sociedade mais inclusiva e democrática.
Jhay Lopes é diretora da pasta de Gênero, Mulher e Diversidade da APLB-Sindicato*

